Arteterapia - Educação - Caderno como Suporte Pessoal no Processo do Autoconhecimento em Arteterapia

CADERNO, SUPORTE PESSOAL NO PROCESSO DE AUTOCONHECIMENTO EM ARTETERAPIA

 

 

A vida é como páginas em branco a serem preenchidas.

 

 

Solange Cabral de Deus

Pedagoga e arteterapêuta graduada

em Educação Artística e Letras

 

RESUMO

 

Este artigo apresenta o caderno utilizado como suporte terapêutico num processo de Arteterapia. O objetivo é apresentar o caderno como suporte de registros no processo de autoconhecimento, como alternativa de expressão pessoal. O grupo trabalhado foi composto por jovens adolescentes, dentro de uma escola de Educação Básica II no Estado de São Paulo. O caderno foi utilizado como uma ferramenta de alicerce para registros pessoais da própria experiência de cada um do grupo. Adotou-se uma postura acolhedora, que contribuiu como facilitador do processo de autoconhecimento através da Arteterapia. Angela Philippini é autora principal de referência do trabalho. Como resultado parcial da ação, pode se constatar que o uso do caderno como suporte nos encontros de Arteterapia contribuiu para uma melhora significativa dos participantes envolvidos, verbalmente expressada. O trabalho aqui exposto está aberto à novas possibilidades de uso do caderno como instrumento terapêutico, seja no estímulo à criatividade de como confeccioná-lo, seja à sua utilidade.

Palavras-chaves: Arteterapia; Autoconhecimento; Caderno.

 

 

 

NOTEBOOK, PERSONAL SUPPORT IN

PROCESS OF SELF-KNOWLEDGE IN ARTETERAPY

 

 

ABSTRACT

 

This article presents the notebook used as a therapeutic support in a process of Art Therapy. Our objective is to present the notebook as a support of registrations in the process of self-knowledge, as an alternative of personal expression. The work group consisted of young teenager, inside a school of Basic Education II in the State of São Paulo. The notebook was used as a tool for personal foundation and records of the experience of each participant in the group. A supportive posture was adopted, which contributed as a enabler of the self-knowledge process through Art Therapy. Angela Philippini is the main reference author in this article. As a partial result of the process, we noted that the use of the notebook as an Art Therapy support contributed to a significant improvement of the involved participants, verbally expressed. The work here exposed is an open to new possibilities of the use of notebook as a therapeutic instrument, as a stimulus to creativity of how to manufacture it, or as its therapeutic avail.

Keywords: Art therapy; Self knowledge; Notebook.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho apresenta, dentre as variadas aplicações da Arteterapia, a utilização de um caderno pessoal como uma ferramenta do processo de autoconhecimento, no trabalho com um grupo de jovens adolescentes de uma escola de Educação Básica II no Estado de São Paulo, na qual a pesquisadora atua como professora de Arte. O principal objetivo da intervenção com o caderno foi poder oferecer possibilidade de autoconhecimento por meio de atividades que propiciam acolhimento e promoção de bem-estar aos alunos.

A ideia do caderno surgiu como possível instrumento terapêutico em um contexto típico dos adolescentes: a falta de um suporte para a expressão de suas questões internas.

A partir da experiência prática, pode-se concluir que a técnica aqui apresentada oferece um modelo de intervenção que, a princípio, mostrou resultados positivos, observados através da mudança de comportamento dos participantes. É importante assinalar que há a possibilidade de utilização do caderno também como suporte ao processo pessoal de autoconhecimento, em encontros particulares de Arteterapia.

 

O caderno pode ser um suporte na Arteterapia?

 

Segundo Philippini (2010)[1]:

 

O trabalho de Arteterapia, se baseia num campo de atuação transdisciplinar, ele parte de um pressuposto que a criatividade é inerente ao ser humano. Todas as pessoas podem criar, todas as pessoas podem ser expressar através das artes, todas as pessoas possuem algum tipo de habilidade, potencialidade ou talento para fazer isso e esse processo vai ajudar no despertar dessa percepção e dessa consciência e havendo este despertar, várias áreas da vida daquele indivíduo são beneficiadas. Então eu creio que esta é a contribuição mais importante que a Arteterapia tem a oferecer: fazer com que o indivíduo se fortaleça através do seu próprio processo criativo. E todas as pessoas tem esta possibilidade (transcrição nossa).

                                                                                   

O participante de um processo de Arteterapia tem a possibilidade de se organizar e se autoconhecer, através de sua própria expressão por meio de seus registros no caderno, que o permitem autoanalisar-se e tirar suas próprias conclusões sobre si mesmo. Desta forma, o caderno, utilizado como recurso arteterapêutico, favorece o registro da expressão simbólica – combustível para o autoconhecimento. Conforme Jung (2013):

 

O si mesmo, em sua totalidade, situa-se além dos limites pessoais [...]. Este conhecimento é o pré-requisito indispensável para qualquer integração, isto é, um conteúdo só pode ser integrado quando seu duplo aspecto se tornar consciente e o conteúdo tiver sido apreendido no plano intelectual, mas em correspondência com seu valor afetivo. (p.44).

 

Neste sentido, o valor afetivo ocorre no acolhimento arteterapêutico e a técnica do caderno como suporte no processo de tornar consciente o conteúdo interno no plano intelectual através de análise dos próprios registros no caderno. Desta forma, o caderno articulado nas atividades arteterapêuticas traz relevância por meio de recursos que facilitam o acesso ao inconsciente, o que promove o processo de autoconhecimento. O si mesmo representa uma individualização interior pessoal que pode se mobilizar por meio do autoconhecimento, o que pode ser também uma ferramenta de transformação pessoal. Estas transformações ou realizações variam com o grau de aprofundamento que a pessoa consegue atingir. Desta forma, se a pessoa aprende a se observar, ela se conhecerá melhor, porque a maioria dos seus problemas não estão fora, mas dentro dela mesma (PHILIPPINI, 2013, p.15). Ainda segundo Philippini (2013):

 

Os conteúdos inconscientes, que vão gradualmente emergindo, constroem a compreensão, esta vai progressivamente ampliando a personalidade do indivíduo que se permite que a função transcendente reúna opostos psíquicos, criando conexões mais fluentes entre consciente e inconsciente (p.15).

 

No processo arteterapêutico, o autoconhecimento é estimulado por meio dos materiais expressivos apresentados pelo arteterapeuta. Durante a sessão, o paciente se manifesta espontaneamente, com livre-arbítrio para dialogar consigo mesmo, tendo à sua disposição um suporte para seus registros pessoais – o caderno confeccionado por ele mesmo – que possibilita atribuir valor simbólico e afetivo à sua criação, nele poderão ser projetados conteúdos internos, a serem analisados posteriormente. Desta forma, possibilita-se o autoconhecimento, através de uma análise dos registros pessoais – processo indispensável à integração pessoal e à reflexão sobre si, numa análise aos conteúdos expressados através da confecção do caderno.

Norgren (2017, p.55) afirma:

 

A Arteterapia possibilita a livre-expressão e dá ao próprio sujeito a possibilidade de dar significado a seus conteúdos [...] originou-se da ideia de que as imagens de arte podem ajudar a pessoa a entender quem ela é, a expressar ideias e sentimentos que as palavras não podem, bem como enriquecer a vida por meio da auto expressão. Baseia-se no pressuposto de que o processo criativo em si tem o poder de cura, pois, ao criar, o indivíduo dá razão, dá voz a conteúdos que necessitam ser expressos, além de se envolver em um processo que envolve todo o seu ser.

 

Com a livre-expressão na sessão de Arteterapia, o paciente se manifesta por meio de sua criatividade, de seu registro, atribuindo significação à sua experiência pessoal, o que possibilita uma autoavaliação por meio do registro de suas manifestações pessoais. O registro tem como finalidade facilitar a relação entre comunicação interna e externa do eu, a compreensão das dificuldades pessoais e a significação dos conteúdos e imagens produzidos. Dessa forma, estabelece-se um recurso que pode facilitar a auto expressão e a auto comunicação, contribuindo, assim, para o bem-estar do indivíduo.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

Desde os primórdios da humanidade houve a necessidade de registros, assim surgiram as pinturas rupestres dentro de cavernas que ilustravam imagens registradas por geração de época passada. De uma forma curiosa, esse seria o primeiro caderno da história. Logo começou a ser criada uma linguagem conhecida como escrita cuneiforme onde imagens eram símbolos a serem gravados. Ela nasceu na Mesopotâmia e servia para registrar o cotidiano, administração e economia da época, para isso eram utilizadas pedras, argila, metal e madeira para esses registros, dando origem ao segundo tipo de “caderno” da história (CANABARRO, 2018).

O caderno atual pode ter diferentes produções, pois existem variados tipos e formato de caderno. Com páginas e espaços livres, disponíveis para qualquer tipo de expressão simbólica ou artística, sendo um suporte pessoal de registros e expressões que facilitam o processo de autoconhecimento e possibilitam uma melhor reflexão sobre si. Carl Gustav Jung também se utilizava de um suporte para se expressar consigo mesmo, Conforme Hoerni (2009):

 

 Jung desenvolveu uma técnica para “chegar ao fundo do [seu] processo interior”, “traduzir as emoções em imagens” e “compreender as fantasias que estavam se agitando... “subterraneamente”. Mais tarde ele deu a esse método o nome de “imaginação ativa”. Jung registrou primeiramente essas fantasias em seus Livros Negros. Depois revisou [...] encadernado em couro vermelho, acompanhado por quadros pintados por ele mesmo. Sempre foi conhecido como Livro Vermelho (p.12).

 

Dentre este fundamento, o caderno, em arteterapia, oferece um suporte aos registros dos conteúdos internos do si mesmo, facilitando o processo de autoconhecimento ao propício de bem-estar, na medida em que permite a manifestação da expressão pessoal.

                                                                                                                                                           

Autoconhecimento

 

Nas palavras de Lúcia Helena Galvão, em sua palestra[2] Pequenas Lições – Vida Interior: Quanto mais dentro, mais fora:

 

Quanto mais a vida interior, mais eficaz será a vida exterior, se a pessoa está com ela mesma, vai estar presente de corpo e alma na situação vivenciada através do diálogo interno consigo mesmo,  pois, as melhores lições são aquelas que sai da própria pessoa [...] Cada um tem a sua fórmula, sua própria essência,  jeito de ser, a qual também pode ser ajudada, com alguma instrução básica que contribui ao processo de autoconhecimento (transcrição nossa).

 

Assim, a contribuição do caderno, enquanto técnica arteterapêutica, é sua utilização como um suporte de registro do processo vivenciado, aproximando conteúdos internos aos externos, proporcionando assim, mais equilíbrio e bem-estar pessoal.

 

A conscientização do indivíduo como ser único e especial é a base sobre a qual se sustenta o processo de individualização. Em Filosofia, segundo Jopling, autoconhecimento ou conhecimento de si ou é um objeto de investigação epistemológica, a que se busca de natureza ética [...] O autoconhecimento, algumas vezes, é obtido por meio da meditação e da Psicanálise [...] O processo do autoconhecimento é fundamental para o fortalecimento da autoestima que, por sua vez, é imprescindível para o desencadeamento do processo de libertação da criatividade que reside dentro de cada ser. (VARGAS, 2007, apud. PHILIPPINI, 2013, p.80).

 

Dada a importância do processo de autoconhecimento para o desenvolvimento do indivíduo, nota-se a relevância de se oferecer instrumentos terapêuticos que facilitem a expressão simbólica, o registro, a autoavaliação e a auto-observação, como um espelho da alma. O caderno, como suporte na arteterapia, permite que a vivência traga significados para a própria pessoa, a partir da expressão de conteúdos interiores e suas manifestações.

A partir da proposta de confecção de um caderno individual, o participante pode concentrar suas energias no próprio ato criativo, o que pode auxiliar a reestruturação da sua individuação. Durante a atividade de criação, o arteterapeuta se coloca como facilitador do processo de expressão do indivíduo, no processo do autoconhecimento, trabalhando suas questões interiores e com o auxílio da linguagem da arte. “É na linguagem da arte que a imagem é sentida e vivenciada sensorialmente e pode então promover um estado diferenciado no espaço interno das pessoas.” (CHIESA,2004, apud. FRANCISQUETTI, 2016, p.194)

A partir da confecção e utilização do caderno, apresenta-se a possibilidade de análise de auto expressão, de auto-reflexão e de registro de insights. O registro também permite retomar a atividade em outros momentos, quando necessário, assim como retomar informações esquecidas sobre si mesmo. Tal atividade pode ser realizada por qualquer pessoa, beneficiando inclusive aqueles que apresentam dificuldades de escrita, pois a manifestação arteterapêutica facilita a expressão simbólica. Conforme Jung (2013):

 

O símbolo é a palavra que sai da boca, que a gente não fala, mas que sobe da profundeza do si mesmo como uma palavra da força e da necessidade e que inesperadamente se coloca sobre a língua. É uma palavra surpreendente e que aparece aleatoriamente, mas a gente a reconhece como símbolo no fato de ser estranha ao aspecto do consciente. Quando a gente aceita o símbolo é como se uma porta se abrisse para um novo espaço de cuja existência nada sabíamos anteriormente. Mas quando não se aceita o símbolo, é como se passássemos desatentos por esta porta, e pelo fato de ser a única porta que leva aos aposentos interiores, é preciso pegar novamente a estrada e prosseguir em todas as exterioridades (p.346).

 

Quando há limitação na expressão da “palavra que sai da boca”, o caderno entra como um facilitador, podendo ser utilizado para além dos registros das ações, facilitando também o diálogo interior, através da expressão que pode ser posteriormente revisada, através da leitura e releitura consciente que promove o bem-estar por meio do conhecimento de si mesmo.

O presente estudo destaca, como um de seus propósitos, o acolhimento pessoal criativo e a promoção do autoconhecimento, além de favorecer a busca da harmonia e do equilíbrio interiores, o encontro e reencontro de si mesmo, estimular a criatividade, exercitar a concentração e a expressão interior. Os encontros, sob a coordenação do arteterapeuta, são desenvolvidos a partir de relaxamento e/com atividades artísticas, tais como: música, pintura, desenho, recorte e colagem, história, dramatização, reciclagem, escrita criativa, construção, estilização, reestruturação e, finalmente, o registro dessas vivências em um caderno individual, confeccionado pelo próprio participante.

As atividades seguiram uma abordagem voltada para a saúde e bem-estar da pessoa e grupo envolvido. De forma que o caderno, enquanto suporte arteterapêutico, pode contribuir para o processo de autoconhecimento de cada participante, indo de encontro com a observação de Urrutigaray (2011, p.83) de que “a atuação autônoma atualizada em comportamentos (...) encontra na arteterapia um continente adequado à sua manifestação”.

 

 

 

 

METODOLOGIA

 

As atividades da sessão de arteterapia foram realizadas através de 34 encontros, com jovens adolescentes, dentro de uma escola em São Paulo. As atividades eram iniciadas com uma técnica de relaxamento e uso de música instrumental, com o propósito de se desbloquearem as tensões e facilitar o processo criativo, permitindo um acesso mais fácil ao inconsciente. As atividades expressivas envolveram a confecção do caderno, como suporte de registro espontâneo do paciente, além de: pintura, desenho, recorte-colagem, modelagem, tecelagem, imaginação-ativa, conto, consciência corporal, dramatização, escrita criativa e criatividade. Esses recursos foram utilizados como facilitadores do acesso ao inconsciente, de acordo com a psicologia analítica de Jung:

 

O universo arquetípico em Arteterapia fornece uma bússola que orienta no entendimento universal da produção simbólica, cabendo o arteterapeuta, junto com o cliente que cria o símbolo, contextualizar seu significado, considerando os aspectos dinâmicos pertinentes à singularidade e historicidade de cada um. (PHILIPPINI, 2013 p.16).

 

Antes de iniciar o processo, foi distribuído para cada participante um kit de arte com materiais básicos e um caderno a ser personalizado. Fora esse kit básico, havia em cada sessão outros materiais disponíveis.

A seguir, serão apresentadas as sessões mais significativas desse processo.

 

 

 

 

PROCEDIMENTOS

 

Atividade: Criando e unindo formas

 

O objetivo dessa atividade foi a integração do grupo, através do reconhecimento de si no outro, por meio de registros espontâneo.

Num primeiro momento, voltado para ambientação e aquecimento, foram explorando as possibilidades de movimentos e deslocamentos do corpo no espaço da sala. Após a introdução acompanhados com uma música instrumental, os participantes ouviram o poema de Gabriele Ribas “Hoje escrevi” e foram levados a um momento de escrita espontânea – através da instrução de que escrevessem o que lhes viesse à cabeça, sem censuras. Ao final desta ação, por meio de leitura e conversa, houve uma interação de grupo.

 No segundo momento, foi proposto ao grupo, que fechassem os olhos e com um lápis e uma folha de papel Canson, ao som de música instrumental, registrassem as formas que lhes viessem à cabeça. Quando terminou a música, foi pedido que cada um destacasse com canetinhas hidrográficas ou com lápis de cor as formas que mais lhes chamassem a atenção, depois as recortassem e interagissem em grupo criando uma única imagem no coletivo através da colagem das formas recortadas. (figura 1). O fechamento da sessão foi feito em círculo, no qual cada participante falou em poucas palavras que resumissem, para si, o significado da imagem produzida no coletivo e a ação, momento vivenciado no encontro.

Observou-se que, ao final da atividade, o grupo estava mais unido, pois houve a facilitação da construção de vínculos, a partir da dinâmica coletiva. Os participantes harmoniosamente interagiram com as figuras recortadas, organizando, expressando seus sentimentos para o grupo, de forma verbal e por meio das imagens produzidas. Tais observações condizem com o que explica Philippini (2013):

 

Em Arteterapia, dar forma corresponde a organizar para compreender e transformar. Através da materialização de símbolos presentes na produção expressiva, cumpre-se a função transcendente, ou seja: a comunicação simbólica cria condições de estruturar, informar e transcender. [...] surge a possibilidade de transformação, ou seja, a “ação de atravessar a forma” e já se está pronto para um novo estágio de funcionamento, comunicação e expressão (p.43).

 

 

Figura 1 – Símbolo Coletivo


 

Fonte: arquivo pessoal.

 

Esta atividade foi também fundamental para uma das participantes que percebeu que se pode estar integrado e interagir, se expressar por meio variado da linguagem – seja verbal ou imagética – e não somente pela escrita, na qual a mesma apresentava mais dificuldade.

Ao final da sessão, os participantes individualmente fizeram no caderno do seu Kit, registros pessoais da experiência vivenciada.

 

Oficina do caderno

 

O objetivo dessa atividade foi proporcionar um encontro consigo mesmo, no qual cada participante pudesse confeccionar seu próprio caderno, como um suporte para a manifestação pessoal.

Foi apresentada a história do caderno, desde sua origem, a partir do contato com a natureza. Fazendo uma comparação com a árvore, com o corpo, esse caderno tinha como função de ser um alicerce, um suporte para as emoções.                                                                                                                                                       

No segundo momento, foram apresentados e disponibilizados os materiais e  os  participantes foram convidados a experimentar e a aprender a dobrar, juntar, colar, furar, costurar e amarrar o papel, para fazerem seus próprios cadernos. A atividade permitiu a cada um vivenciar o processo, de forma cognitiva e corporal, através de investigações coletivas dos materiais. O fazer artístico em grupo permitiu os participantes a interagir com sorrisos e brincadeiras, além de poderem partilhar suas produções.

A encadernação artesanal é uma prática artística, cultural e educativa, cuja técnica consiste em dobrar e unir os papéis. O ato de fazer o caderno permite o surgimento de novas percepções sobre um objeto que muitas vezes é desconsiderado. Essa atividade também trabalha a dimensão corporal, através do tato e do próprio ato de produção. O contato com o material durante o processo de encadernação gera um novo olhar e uma maior proximidade com o objeto, o que pode propiciar uma abertura para outras possibilidades de relações também consigo mesmo.

 A oficina dobra e desdobra a teoria, a prática e a sensibilidade como um conjunto necessário ao alicerce da expressão. A estrutura vivenciada no encontro é simbolizada pelo caderno com suas costuras, amarrações e colagem.

Os cadernos confeccionados à mão (figura 2) serviram como suporte para acolher os sentimentos. Cada participante confeccionou o seu caderno e o utilizou como suporte de sua expressão pessoal.

 

Figura 2 – Caderno confeccionado à mão

 


Fonte: arquivo pessoal.

 

Por meio desta vivência de construção do alicerce/suporte para os registros espontâneos, a partir de materiais variados , voltada ao autoconhecimento, pode-se observar que “quanto maior for o número de conteúdos assimilados ao eu e quanto mais significativos forem, tanto mais o eu se aproximará do si mesmo” (JUNG, 2013, p.36).

 

Registrando experiência com materiais expressivos: Quatro Elementos

 

O objetivo dessa atividade foi facilitar a expressão de conteúdos internos por meio da interação com materiais que representam elementos da natureza. Inicialmente, foi apresentada uma história sobre a importância dos quatro elementos da natureza: água, fogo, terra e ar. Depois, foi sugerida a criação de formas sobre a água, por meio de velas coloridas derretidas no fogo (figura 3) – alguns participantes apagaram as chamas das velas pelo sopro, o que de certa forma acrescentou mais diretamente o elemento ar à representação simbólica dos quatros elementos. Em relação à manipulação de materiais expressivos:

 

No processo arteterapêutico, os materiais expressivos, a adequação do setting e o acolhimento do arteterapeuta permitem que a energia psíquica se traduza em concretude através das produções expressivas diversas e, a cada transformação dos materiais, analogamente aconteçam transformações no nível psíquico (PHILIPPINI, 2013, p.18).

 

Para conter a água utilizada nessa atividade, os participantes cortaram garrafas pet, utilizando seus fundos como suporte. As imagens produzidas a partir dos materiais apresentados e a experiência vivenciada foram registradas individualmente nos cadernos (figura 4), ao final da atividade. De forma que:

 

O registro tem como finalidade facilitar a comunicação interna e externa do eu, compreensão das dificuldades em lidar com problema e auxiliar no desenvolvimento de pensamento em dar significado à conteúdos por meio de imagem produzido pelo mesmo, recurso que propicie expressão e comunicação de si mesmo, desenvolvendo e contribuindo assim. para um bem-estar consigo mesmo  (URRUTIGARAY, 2011, p.83).

 

 

Figura 3 – Atividade com materiais expressivos

 

 

Fonte: arquivo pessoal.

 

Figura 4 – Registro e anexo de Atividade, no caderno e no “Mural”

 

Fonte: arquivo pessoal.

 

 

 

Mural, estrutura de suporte

 

O objetivo dessa atividade foi exercitar a criatividade, propiciar autoconhecimento.

O Mural é como uma tela de concretizar, juntar o que se produziu, observar, analisar produções anexadas nela. “O caminho criativo em arteterapia tem o propósito de concretizar, dar forma e, materialidade ao que é intangível, difuso, desconhecido ou reprimido..., cumpre a sua função de comunicar, estruturar, transformar e transcender.” (PHILIPPINI, 2013, p.61)

Os participantes foram experimentando materiais, folhas com espessuras mais grossas, como de EVA, folhas de papéis mais resistentes as quais serviram como caminho criativo para estruturar produções soltas e organizar os trabalhos.

O Mural funcionou como um suporte, nele foram aplicadas algumas técnicas de customização o que propiciou também, autoconhecimento, que foi visivelmente observado, analisado pelo próprio participante. (Figura - 4).

Num primeiro momento, os participantes foram orientados a explorar espontaneamente o ambiente, os objetos e materiais que estavam disponíveis, interagindo e, posteriormente, construindo um suporte individual, de acordo com sua criatividade.

Os participantes se engajaram com a atividade proposta. Houve momentos de expressão de criatividade espontânea, outros momentos em que se manifestou uma maneira sistemática de realização dos passos propostos ao longo da atividade – nos quais os participantes selecionavam os materiais, interagiam com eles e os utilizavam de forma decorativa. Ao propor que os participantes escolherem a cor do material – utilizado para a construção do suporte no qual guardariam suas produções – dentre as cores apresentadas (azul, amarelo, laranja e branco), a maioria escolheu a cor branca.

Tal atividade possibilitou que surgisse a criatividade, mesmo diante de alguma ação repetitiva: produzir, compor, coordenar, equilibrar, edificar, construir, reconstruir e agregar os trabalhos. Quanto ação repetitiva, Philippini (2009) esclarece: “[...] essa questão poderá ser repetida através de uma infinidade de atividades plásticas expressivas diferentes, quantas vezes sejam necessárias, para permitir o livre trânsito dos conteúdos inconscientes rumo à consciência” (p.16).

 

Dissolvendo-se com Aquarela

 

O objetivo dessa atividade foi proporcionar uma experimentação de dissolução que remetesse a sensações, pensamentos, sentimentos – de forma que, cada um pudesse se expressar livremente, ao longo de um “passeio interior”.

O primeiro momento foi voltado para o relaxamento com música instrumental. Depois, foi oferecido o material para pintura com aquarela. Os participantes foram orientados a pintar de maneira espontânea, colocando toda a sua energia em pensamentos positivo, a partir do material oferecido.

Os participantes interagiram bem com a atividade proposta, espontaneamente pintando com os dedos (figura 5), pintando o que lhes viesse à cabeça sem se censurar. Ao final, por meio de leitura de suas próprias criações, os participantes expressaram o sentiram durante o envolvimento com a atividade, registrando em seus cadernos pessoais (figura 6), e também verbalmente.

 

Figura 5 – Pintura com os dedos


 

Fonte: arquivo pessoal.

 

Na pintura arteterapêutica, o pintar deve ser espontâneo, sem preocupação com o que surgirá e sem julgamento racional:

 

A experimentação sinestésica, reunindo em uma só atividade expressiva a estimulação múltipla e ativação simultânea de vários canais sensoriais, podem ser muito benéficas para ativar o processo arteterapêutico”. (PHILIPPINI, 2015, p. 62)

 

Os participantes expressaram contentamento pela participação na atividade, pedindo para participarem novamente de outros encontros. Uma das participantes estava bastante descontraída e verbalizou: “Estou me sentindo nas nuvens”.

Figura 6 – Registro da atividade de aquarela no caderno

 

Fonte: arquivo pessoal.

 

DISCUSSÃO

 

Observou-se, de forma geral dentre os participantes, uma melhora significativa a partir dos procedimentos realizados. Dentre os participantes, o caso mais relevante foi o de uma jovem que frequentemente era vista na escola com semblante triste e apresentava dificuldade em se comunicar.

Segundo Philippini (2013):

 

O processo arteterapêutico permite que simbolicamente e de forma perene, transformações que marcam o desenrolar da existência, documentando seus contínuos movimentos do vir a ser, que se configuram e materializam conflitos e afetos...A descoberta gradual, de eventos psíquicos cujo significado antes era obscuro, amplia possibilidades de estruturação da personalidade, ativa potencialidades e contribui para a construção de modos mais harmônicos de comunicação, interação e “ estar no mundo (p.14).

 

 

A partir do acolhimento e com o uso do caderno como suporte na sessão de Arteterapia, a jovem começou a se comunicar, se expressar com mais facilidade. Como resultado, segundo relatos de equipe escolar e da direção, ela começou a interagir melhor nas aulas e passou a ser vista com um semblante aparentemente mais leve, também passou a sorrir mais.

Embora a jovem ainda não tenha pleno domínio da comunicação escrita, o uso do caderno contribuiu para que ela se expressasse com mais espontaneidade, por meio de imagens. Segundo Urrutigaray (2011, p.83) “a atuação autônoma atualizada em comportamentos (...) encontra na arteterapia um continente adequado à sua manifestação”. A mudança comportamental é também um dos indícios da mudança psíquica, que pode ser considerada perceptível, nesse caso.

Além do caso citado, os demais participantes do grupo também demonstraram uma melhora de comportamento, através de atitudes mais gentis e amigáveis, entre eles.

A partir da experiência aqui relatada, pode-se concluir que o uso do caderno como instrumento em arteterapia contribuiu de forma significativa para a abertura a novas possibilidades de expressão, seja durante sua confecção, seja em sua utilização para o registro de vivências.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A maior relevância da utilização do caderno como suporte em arteterapia foi a de possibilitar a manifestação espontânea durante o processo de autoconhecimento. As atividades arteterapêuticas apresentadas demonstraram potencial como facilitadoras do processo de acesso e expressão de conteúdos do inconsciente, propiciando um resgate do individual, da personalidade e do sentimento de cada um. O que está em consonância com Philippini (2013):

 

Arteterapia [...] ocorre por meio da utilização de modalidades expressivas diversas. As atividades artísticas utilizadas, configurarão uma produção simbólica, concretizada, em inúmeras possibilidades plásticas, diversas formas, cores, volumes etc. Esta materialidade permite o confronto e gradualmente a atribuição de significado às informações provenientes de níveis muito profundos da psique, que pouco a pouco serão apreendidas pela consciência (p.11).

 

O objetivo do processo de arteterapia foi, além do acolhimento terapêutico, o estímulo ao relato das experiências, através de um suporte, o uso do caderno, o que contribuiu para a criação de uma nova possibilidade de se expressar, manifestar conteúdos do inconsciente e facilitar a autoanálise. Além de sua confecção durante o processo arteterapêutico, observou-se que os participantes continuaram fazendo uso do caderno para seus registros pessoais, em momento posterior.

A ação desenvolvida se mostrou eficiente em promover o autoconhecimento, contribuindo para o bem-estar e resgate da autoestima e da confiança de seus participantes, a partir do relato das experiências. As atividades com o caderno promoveram o desenvolvimento da escuta, de si e do outro, criando uma maior aproximação e empatia entre os jovens no ambiente escolar.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

CANABARRO, A. Quem inventou o primeiro caderno? TriCurioso. Disponível em: https://www.tricurioso.com/2018/05/16/quem-inventou-o-primeiro-caderno/.  

Acesso em 27 out 2018.

 

 

CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário De Símbolo. SILVA, V. C. (Trad.). 30ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio. 2017.

 

 

FRANCISQUETTI, A. A. Arte-Reabilitação: um caminho inovador na área da Arteterapia. Rio de Janeiro: Wak. 2016.

 

 

HOERNI, U. Prefácio. In: JUNG, C. O livro vermelho – Liber Novus. Rio de Janeiro: Vozes. 2009.

 

 

JUNG.C. G. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. RAMALHO, D. M. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes. 2013. 

 

         

NORGREN, M. B. P. Arteterapia, promoção de saúde e aprendizagem socioemocional. Rio de Janeiro: Wak. 2017.

 

 

PHILIPPINI, A. Arteterapia em revista. Rio de Janeiro: Wak. 2008.

 

 

______. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, Indicações e propriedades. Rio de Janeiro: Wak. 2009.

 

 

______. Para Entender Arteterapia: Cartografias da Coragem. 5ª ed. Rio de Janeiro: Wak. 2013.

 

 

______. Caminho da Arte: Construindo um envelhecimento ativo. Rio de Janeiro: Wak. 2015.

 

 

URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia: A Transformação Pessoal pelas Imagens. Rio de Janeiro: Wak. 2011.

 

 



[1] PHILIPPINI, A. Arteterapia ao Opinião e Notícia. Entrevista em 06/01/2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TL0Wi7TDP_4. Acesso em: 26 out 2018.

[2] GALVÃO, L. H. Pequenas lições para desenvolver a Vida Interior. Palestra. Nova Acrópole – Escola Internacional de Filosofia. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bXNxMOwDkWE. Acesso em 21 fev 2018.


https://drive.google.com/file/d/1UCCilmNi16FfZqCPWa_gUqqIQkj7Csgr/view
Arteterapia... Vivência - Estudo de caso

https://docs.google.com/presentation/d/1rmBV0OF6D9bhQdl5HvQXdANIg7XC1huPZ13zIgsmKAc/edit#slide=id.p1



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